Sobre o sofrimento/ Über das Leiden
Por Albany Estrela Herrmann*
Por Albany Estrela Herrmann*
Pergunta: - Por quê existem os
sofrimentos? Por quê Deus permite que exista o sofrimento e por quê não vivemos
um segundo Paraíso na terra?
É muito fácil colocar tudo de
ruim que acontece com a gente na conta do Inimigo. Será mesmo que tudo de mau que nos acontece é culpa dele? É culpa de espíritos malígnos, dos seus
seguidores ou de nossas próprias escolhas erradas?
Em todo filme que se preze
existe o bandido e o mocinho, o super-herói e seu arqui-inimigo, o bem e o mal
são enredo de muitas coisas: novelas, filmes, letras de músicas e estão presentes
diariamente em nossas vidas.
O maior canalha que já conheci
na minha vida estudou Teologia, passou anos lendo a Bíblia, dá aulas de religião
e fala de Deus no trabalho todos os dias. Até a tese dele foi sobre este tema:
o sofrimento. Como pode uma pessoa viver com tal moral esquizofrênica? Na
igreja e no trabalho é uma coisa e em casa é outra totalmente diferente?
Síndrome do médico e do monstro, talvez? Ou pura falta de caráter?
É como aquele pastor que se comporta
assim: se a irmãzinha piranha gospel, dá mole, ele vai mesmo para o motel com ela
para depois no outro dia, estar lá na frente de todos, pregando a palavra… E a
irmãzinha “a dadeira gospel” senta do lado da esposa dele na igreja e puxa até
papo!
É o irmãozinho que você
conhece da igreja, que você conviveu por anos e anos e no momento que você não frequenta
mais aquela igreja, vira a cara para você na rua e não quer mais contato? Você não
é mais filho de Deus e virou uma pessoa desprezível por frequentar outra
igreja? A pessoa que me disse isso, sabe bem do que eu estou falando…
Falemos do dízimo e das nomenclaturas
religiosas. Os próprios homens inventaram tudo isso. Não há passagem alguma na
Bíblia que cite o dízimo como obrigacão. Dá quem pode, dá quem
tem e dá quem quer… Não acredito que Deus fique feliz em saber que uma mãe
deixou de comprar pão para seus filhos, porque teve que pagar o dízimo e está
passando necessidades. Tem que pagar!!! Deus vai te dar em dobro!!! Neste
momento eu penso, existem necessidades imediatas na vida da gente em que não
podemos esperar. Um remédio caro que precisa ser comprado, por exemplo…
As religiões que conhecemos hoje, e no Brasil são muitas, não foram
determinadas por Deus. Se fosse
assim todos nós deveríamos ser judeus como Jesus foi. E não somos! Isso mostra
que independente da vertente da igreja que eu vá, o importante para Ele, é crer
na palavra e não interessa se eu sou evangélico, católico, protestante do
último dia e último suspiro que fulano deu não sei aonde!!! Gente, o importante
aqui, repito, é a fé, e não qual é o nome que deram para categorizar o meu tipo
de fé.
1 – Sofrer por causa de
uma doença:
Às vezes penso, por quê uma
criança inocente nasce com uma doença grave tipo leucemia? O quê essa
criaturinha fez de errado para vir ao mundo já sofrendo assim? Esse papo de
livre arbítrio e de sofrer por nossas próprias escolhas não se aplica aqui,
pois a criança nunca fez nada de errado na curta vidinha dela… Então por quê
ela sofre?
2 – Sofrer pela
consequência do sofrer alheio:
Se os nossos filhos sofrem, sofremos por tabela. Todo pai e mãe normais se
sentem assim e procuram ajudar, aconselhar e ouvir. Ouvir pode ajudar muito, pois muitos não têm com quem
desabafar. No auge do sufoco fica difícil enxergar uma possível saída e quem
está de fora, às vezes, tem a visão da situação como um todo e pode mostrar um
outro ângulo para que a pessoa páre de sofrer.
3 – Sofrer por escolher
errado:
Se num determinado momento da minha vida eu escolho conscientemente
uma determinada coisa, sou responsável pelas consequências desta minha escolha.
Eu escolhi uma pessoa como parceiro, caso e depois percebo que não estou feliz
e que fiz a escolha errada. A pessoa muda totalmente com o passar do tempo, cai
a máscara, ou eu vejo que aquilo que achava que era o melhor para mim no fim
das contas não era…
4 – Sofrer
pela incapacidade alheia:
Conheci uma família aqui na Alemanha que tinha adotado
um menino do Brasil. Ele tinha uma irmã de 5 anos e o casal não queria separar
os dois. Me chamaram para ajudar com a comunicação, pois o casal alemão não
falava português e a menina não entendia nada de alemão. O garoto tinha um ano e meio, falava só algumas palavras soltas e ainda
usava fraldas.
Cheguei na casa da família e ouvi que a mãe dos meninos tinha um filho
atrás do outro e os jogava na rua. A menina foi encontrada embaixo de uma ponte em São Paulo com o irmão no
colo. Pensei: - Coitados! Sofrendo em vários níveis! Abandonados pela própria mãe
sem nada na rua e agora em outro país com pessoas estranhas falando uma outra
língua que eles não entendem…
5 – Sofrer pelos erros dos outros:
Continuando o cenário anterior, uma criança inocente e que não pediu para
nascer vai parar na casa de outro parente, porque os pais ou não têm condição
de criar ou não querem criar esta criança. Essa pessoínha cresce ouvindo que
ela é um estorvo e que por misericórdia divina e o “ótimo caráter” deste ser
“acolhedor” ainda está viva.
Ela vive em processo de
humilhação diário e sofre pelos erros que os pais cometeram. Nem sempre quem te extende a mão quer te ajudar. Existem as pessoas como esta que necessitam do „ibope“
de que ela sim é uma serva divina digna de todo reconhecimento por acolher uma
criança necessitada, mas na verdade, ela tortura a criança psicologicamente dia
após dia e para os outros se passa como sendo a boazinha de enorme coração…
6 – Sofrer porque se quer
sofrer:
Estranho isso, né? Mas existem
mesmo pessoas por aí que gostam de sofrer. Procuram um motivo para reclamar de
tudo, de todos e só se sentem vivas se sentem dor. Parece que o corpo morreu e
que não há outra coisa que as faça se sentirem vivas senão através da dor.
Sem dúvida isso é um caso para
se deitar em um divã, verificar o que saiu de errado na “composição emocional”
deste ser. Não é normal se mutilar fisico- ou psicologicamente para poder assim
desta forma doentia “ativar” sentimentos e emoções.
7 – Sofrer por uma
catástofre:
Isso não está nas nossas mãos, infelizmente. Conheci
uma professora que morreu no acidente do avião da Air France saindo do Rio de
Janeiro. Não sobrou nada.
Perguntas: - Todos os outros passageiros que morreram
junto sofreram pela consequência de uma escolha errada do piloto?
Foi Deus que decidiu que naquela hora era o fim da
linha para todos os passageiros?
Ou foi o mecânico que não checou a máquina direito e
deixou decolar assim mesmo?
Ou foi o abastecedor que não colocou combustível
suficiente para o trajeto até Paris?
Ou foi o Inimigo que mandou uma raio na hora e
derrubou este avião matando todos?
8 – Sofrer
pelo descontrole alheio:
Hoje perdi o sono no meio da
noite e liguei a tv. Estava passando um documentário sobre uma escola nos USA
aonde ocorreu um massacre. Dois rapazes de 17 anos, também estudantes desta
mesma escola, mataram e feriram 56 pessoas. Os dois invadiram a escola às 10
hrs da manhã e a polícia só entrou no prédio às 15 hrs. Vários carros ficaram
por horas parados na frente da escola escutando todos serem executados pelos
dois rapazes.
Os pais destes rapazes sabiam
do „hobby“deles e das armas que tinham em casa. Por quê ninguém confiscou isso
deles antes que uma desgraça acontecesse?
Os diretores já sabiam das
tendências agressivas dos dois e não tomaram nenhuma providência. Seguiam
impunes espancando, roubando e cometendo outros delitos na escola.
Um dos rapazes fazia uso de
medicamentos contra depressão e esquizofrenia. Houve até uma troca de
medicamento por outro de dosagem maior. E os pais ou os médicos que receitaram
isso para ele não levaram em consideração deixá-lo sob observação?
O outro rapaz tinha gravado
vários vídeos falando coisa com coisa, xingando, ameaçando, rindo e provando
que era no mínimo digno de ser posto em uma camisa de força. Ninguém nunca se
interessou por ele. Será que esta foi a maneira que ele encontrou de chamar a
atenção para si?
9 – Sofrer por vergonha:
Quando eu tinha uns 15 anos
mais ou menos, ouvi a seguinte estória: uma vizinha queria muito ter outros
filhos, mas não conseguia. Uma vez veio uma ajudante do interior para trabalhar
no RJ e juntar um dinheiro para depois voltar para casa. A menina se envolveu
com um cara e acabou grávida dele. O cara sumiu sem deixar vestígios. A menina
queria abortar de qualquer maneira.
A vizinha fez a proposta de
registrar a criança como se fosse filha dela e que iria dizer que foi um parto
em casa: - Você volta para casa e não se toca mais no assunto. Só tem um porém, se você se arrepender um dia, nunca vai poder tirar ela de
mim. Eu não vou deixar!
Pense bem e me dê a resposta!
A menina passou a gravidez
toda lá e o parto e tudo que precisava foi pago pela patroa dela. O combinado
foi feito e ela retornou para o interior. Nunca mais se viu ou ouviu falar
nela. Ela realmente fechou esta porta na vida dela e nunca olhou para trás.
Será que ela não sofre até hoje pelo arrependimento de ter deixado o bebê
assim? A criança não teve culpa de nada: do mau-caráter do pai, do abandono da
mãe e da incapacidade da vizinha de ter seus próprios filhos. Será que foi
melhor assim para ela?
10 – Sofrer
por causa da consciência:
Ninguém permaneceria imóvel ao
ver uma filha sendo estuprada na sua frente, ou ver seu filho sendo torturado
ou abusado diante de seus olhos. Se o dano é apenas material, a gente se
chateia, mas isso passa. Compramos outras vez. Deus proverá! Mas se o dano é
moral e físico a estória é bem outra!
Nestes momentos desarmam-se
todos os fusíveis imaginários em nossas cabeças e no coração: clack, clack,
clack. É uma questão de sobrevivência e passamos a funcionar no modo animal. Ou
eu mato, ou morro. A dor fala mais alto do que qualquer mandamento e a fera
dentro de nós reseta todos os valores que aprendemos na escola, em casa ou na
igreja. Eu tenho plena consciência de que o que vou fazer é errado, mas se eu não
fizer, as consequências serão muito piores…
Se você vive uma vida voltada
para seu trabalho, família e segue tudo bonitinho como manda o figurino, por
quê, mesmo assim, eu tenho o meu lar invadido por pessoas que querem ferir as
pessoas que eu amo? Eu sempre fiz tudo certo, sempre segui todos os valores e
princípios bíblicos. Por quê aconteceu isso comigo?
Eu penso o seguinte: - Se
essa(s) pessoa(s) decidiu invadir meu lar, violentar meus entes queridos, sacar
meus bens materiais que foram comprados com sacrifício e são frutos do nosso
trabalho, ela também fez uma escolha. Sim, a escolha errada, pois eu não
conseguiria viver depois tendo estas imagens horríveis de abuso tatuadas na
minha memória.
E nessa hora sobrevive o mais
forte. É a leoa ou o leão defendendo a cria, defendendo-se e atacando para não
perecer… Eu não sou a favor da violência, mas penso da seguinte maneira, assim
como o karatê não deve ser usado para atacar, mas sim para se defender, eu
tenho o direito de defesa.
Eu tenho o direito de atirar e
mirar na cabeça de uma criatura abobinável que está invadindo e ameaçando
violar a paz que eu construo em meu lar dia após dia? Atirar para matar dentro
da minha própria casa para me defender ou para defender a minha família, é
legítima defesa, na minha opinião. E a escolha errada quem fez foi quem invadiu
a minha vida…
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* Professora de
Alemão (Deutsch als Fremdsprache DAF, com certificado do MEC
Ministério Alemão - BAMF-Zulassung) e Português para
Estrangeiros (PLE Universidade de Tübingen), Licenciada em Letras
Português e Alemão pela Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro, Mestre em Filologia Românica pela Eberhard Karls Universität
de Tübingen
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