28/06/2013

Coisas que só acontecem comigo...


Por Albany Estrela Herrmann*

Existem coisas que só acontecem comigo! Já dei muitas risadas contando estes meus “causos” para amigos. Realmente é uma grande aventura passar um ano longe de casa, da família e dos amigos. É um mundo totalmente novo para o brasileiro que nunca saiu do país antes. Este foi o meu caso...

Resolvi dividir com vocês alguns momentos hilários acontecidos durante o período que fui estudante de intercâmbio. Vamos lá! Como sou a rainha das listinhas, tinha que fazer mais uma escolhendo os melhores momentos…


1 - Dentro do ônibus a caminho da universidade

Sentada dentro do ônibus lotado a caminho da cidade universitária. Vejo um rapaz com uma mochila enorme e outras coisas. Ofereci ajuda para carregar a bolsa dele no meu colo.

Ele me olha como se eu tivesse dito: - Passa a grana! Mãos ao alto. Isto é um assalto!

Repito a oferta: - Mochila? No colo? Ajudar você? E ele concorda, depois de se recompor do susto.

Por coincidência, ele desce no mesmo lugar e pede desculpas pela reação. Ele nunca viu isso aqui na Alemanha... Eu disse que isso é normal no Brasil: levantar e oferecer o lugar para pessoas mais velhas, mulheres com crianças e também segurar as bolsas de alguém que está de pé...

Ele agradeceu mais uma vez. Pediu desculpas mais uma vez e disse: - Vivendo e aprendendo!

Eu: - Pois é! Vale a pena ajudar os outros sem esperar nada em troca!



2 – Pedindo informação na rua para achar o endereço do alojamento

Lá estava euzinha, andando pela rua, perdida, arrastando a minha mala, tentando achar o caminho para o alojamento. O mapa que estava levando, não me ajudava muito. Resolvi perguntar para um passante qual era a plataforma correta e linha para que eu pudesse pegar o ônibus.

Eu: - Por favor, Senhor! Uma informação?!

Alemão estendendo a mão quase me acertando: - Não! Não quero comprar NADA!

Eu: - Mas quem disse que eu tô vendendo alguma coisa!? Cada uma!

O jeito foi perguntar ao motorista que estava na pausa… Ele aponta para uma plaquinha no ponto do ônibus sem dizer uma palavra e me ignora.

Eu: - Vou ter que ler todas as placas de todas as paradas até encontrar a minha…


3 – O zelador do prédio. Chaves do quarto? E agora, José?
No térreo do prédio ficava a sala de atendimento do zelador. Nenhuma alma viva e silêncio absoluto. Já estava com vergonha de quebrar tamanho silêncio para bater na porta, mas não havia outra maneira… Quando ia bater, reparei uma lista com horários e dias da semana colada do lado de fora da porta. Por coincidência, o próprio vinha chegando:

Ele: - Não está no horário de atendimento!

Eu: - Mas eu acabei de chegar do Brasil e não tenho as chaves do meu quarto! Já com os olhos cheios de água imaginando passar a noite do lado de fora e virando picolé...

Ele: - Bem, vou "quebrar o seu galho" hoje e meu deu as chaves do quarto.


4 – A lavanderia do prédio
Depois de descer munida de uma cesta cheia de roupas sujas de um lado e de meu dicionário na outra mão, encontrei a lavanderia. Lá dentro 3 máquinas funcionando e em cima de cada uma delas, um papel e uma caneta. Em cima de cada máquina um contador de moedas do tipo telefone antigo. O display das máquinas parecia mais um hieróglifo egípcio, até mesmo porque elas funcionavam tanto no sentido horário quanto no sentido inverso. 

Eu: - Nossa, quantos programas para lavar roupa! Qual que eu uso?

Penso: - Vamos abrir o meu “pai dos burros” vulgo dicionário e ver o que eu consigo decifrar...


Traduzi algumas palavras que não conhecia, mas não foi suficiente para entender como aquilo tudo funcionava. Vou esperar alguém entrar aqui para perguntar. Só não vale a pessoa apontar para as máquinas sem dizer uma palavra que eu dou um treco aqui! Espero, espero e espero. Entra um cara enorme, de cabelos vermelhos e usando um óculos fundo de garrafa.

Eu: - Você poderia me ajudar, por favor? Aonde eu posso comprar estas moedas para lavar roupa? E qual é o programa que você usa?

Ele: - Ah, você tem que ir no horário de atendimento do zelador (Sprechstunde). E estas máquinas são lavadoras e secadoras ao mesmo tempo…

Eu pensei: - O cara foi gente fina comigo. Vou lá ver se ele me atende. E atendeu! Just in case, eu comprei logo 3 moedas.Vai que preciso de mais de uma...

Voltei para a lavanderia, coloquei as roupas na máquina vazia, o sabão em pó, jogo a moeda e aperto o botão para iniciar a lavagem. Nada. 
Penso: - Acho que rodei para o lado errado, vou girar o botão só… mais… um… pouqui… Nããão! O display apagou todo. O que eu fiz?! 

O “cara pálida” ainda estava lá e disse: - Xi, você perdeu a moeda! Vai precisar de mais uma!  

Eu: - *&%$§?!

Respiro fundo e pergunto: - Você pode me ajudar? Não quero perder mais outra moeda!

Ele: - Me dá a moeda aqui!!! Zack, zack, zack. Pronto! 

Volte depois de 1h para buscar a sua roupa e liberar a máquina para o próximo. Se você não fizer isso, o próximo tem o direito de jogar as suas coisas em qualquer lugar.

Eu voltei para o quarto e ficava olhando quase que de minuto em minuto se já estava na hora de ir buscar a minha roupa. Que estresse!

A lavanderia
                                                     
5 – No supermercado
Barriga roncando, hora de procurar um supermercado ou lojinha que venda algo comestível. Pelo menos o básico: café, pão, leite e açúcar… Pertinho do alojamento, encontrei um supermercado. Entrei e fui pegando as coisas que precisava. Caminhei em direção ao caixa e entrei na fila. 

Aqui na Alemanha a pessoa que trabalha no caixa, passa tudo correndo, na velocidade da luz e num piscar de olhos fala o valor em voz alta. 

Eu fiquei correndo para enfiar as coisas dentro da bolsa, mas quando a gente fica nervosa, aí é que cai tudo no chão, pacote abre, carteira arrebenta o zíper, enfim, brasileiro pressionado, torce o pé até parado! Depois do “Deus nos acuda” e do corre-corre do caixa, recebo o troco e jogo tudo no fundo da bolsa para sair dali o quanto antes.

Eu era feliz e não sabia! No Brasil você bate até papo com a tia do caixa! Aqui a compra é feita em questão de segundos… E ai de você se o produto não tiver o preço ou se você quiser fazer alguma pergunta! A galera já começa a revirar os olhos ou a reclamar para abrir uma outra caixa!

Cheguei em casa louca para tomar um cafezinho brasileiro que tinha levado na mala. Café pronto, um pinguinho de leite e o açúcar. Coloquei uma colher do açúcar e para o meu espanto o café começou a virar um tipo de pudim e endureceu. O vizinho de quarto entrou na cozinha naquele momento…

Ele: - Deixa eu ver o que você comprou? Ah! E fala rindo: - Você comprou açúcar de fazer geléia! 

Eu: - E têm tipos diferentes?

Ele: - Tem açúcar com baunilha, açúcar comum, açúcar de geléia e etc…

Eu entorno o café na pia e volto no supermercado para comprar o açúcar certo desta vez.


6 – Fazendo um bico de faxineira nas férias
Para ganhar uma graninha durante as férias, fui fazer faxina aos sábados na casa de uma família alemã que tinha uma filha de 6 anos e uma gata chamada Nina. Normalmente a dona da casa saía para fazer compras e me deixava sozinha fazendo o serviço. 

Ela deixava um bilhetinho em cima da mesa com as instruções do que eu tinha que fazer. Naquele dia, ela queria que eu passasse o aspirador na casa inteira e jogasse o lixo fora.

Entrei, pendurei a minha bolsa no corredor e fui buscar o aspirador depois de ler as tarefas do dia. A Nina estava em cima de um armário da sala, cochilando numa boa… Liguei o aspirador e comecei a limpar a casa quando a gata pulou irada em cima de mim com os olhos arregalados e os dentes para fora.

Eu, depois de um grito de susto: - Mas que gata neurótica é eeeeessaaaaa?

Sai correndo e abri a porta da varanda.  A gata do lado de fora, miando e pedindo para entrar de novo.

Eu: - Vai ficar aí no frio até eu terminar de limpar a casa! Quem mandou dar uma de ninja pra cima de mim?


A Nina Ninja
                                                                       
7 – O Tandempartner

Querendo dar uma lapidada na pronúncia, resolvi buscar um Tandempartner. Encontrei um papel na universidade. Aluno de Medicina procura Tandem de Português do Brasil. Rasguei o papelzinho e levei para casa. Liguei para ele marcando a primeira aula. Eu ensino Português para você e você estuda Alemão comigo. Cada um tem uma hora de aula. 

O primeiro encontro foi na cafeteria (território neutro), o segundo encontro também. No terceiro encontro, ele sugeriu ir estudar na casa dele. Eu disse que achava a cafeteria legal.

Ele não desiste: - Eu queria saber se você quer ser minha “amiga de pele”…

Eu: - Desculpe a minha ignorância, mas o que é isso?

Ele: - Ah, é uma amiga especial! Assim, de tocar na pele, sabe?

Eu: - Hein? Você quer dizer “amizade colorida”?

Ele: - Acho que deve ser isso em Português…

Eu: - Não, obrigada. Eu quero mesmo é só fazer o Tandem e mais nada!

Ele: - Mas por que não? Eu não sou bonito? E eu sou médico!

Eu: - Bom para você, mas eu não estou interessada!

Ele: - Mas eu já tive duas „amigas de pele“ brasileiras!?

Eu: - Mas eu não sou a terceira! E acabei com o Tandem…


8 – Pedindo ao amigo para trazer um pão do supermercado
Estou eu olhando as modas, debruçada na janela do quarto quando um amigo passa a caminho do mercado. Ele pergunta se eu queria alguma coisa de lá. Eu peguei uma moeda de 5 Marcos e joguei pela janela para ele pegar. Afinal de contas eu morava no terceiro andar e não era tão alto assim. 

A moeda caiu exatamente dentro do bueiro da canalização, ultrapassando uma fenda de apenas alguns milímetros! Meu amigo ainda tentou levantar a tampa e salvar a minha merreca, mas não tive chances. Ele pagou do próprio bolso e eu agradeci por sua compaixão… 

Eu da janela: - *&%$§?! Só acontece comigo isso! A moeda de 5 Marcos é enorme!!!!

A moeda que acertei no bueiro
                                                             
9 – Voltando tarde da noite de uma festa estudantil
Voltei para casa com minha melhor amiga já lá pelas tantas da noite. Ela morava no terceiro andar e eu no oitavo (eu tinha mudado de alojamento por causa do aluguel mais barato e da localidade)… 

Apertamos o botão do elevador, a porta se abriu e vimos um rapaz dentro, caído no chão, todo sujo de vômito e urina.

As duas em coro: - Eca!

Minha amiga: - Vou subir a pé mesmo!

Eu: - Putz! Você mora no terceiro! E eu que moro no oitavo e dancei a noite toda? Vou ter que encarar a subida, pois se eu entrar no elevador com o sujeito e ele acorda, eu não vou poder correr dele!


10 – Declaração de amor bombástica
A campainha do meu quarto tocou. Pego o interfone e pergunto quem é. Sem resposta. Levanto e vou à porta principal. Encontro um rapaz que conheci num churrasco na casa de amigos brasileiros. Eu não estava querendo receber visitas, mas tratei-o de forma bem diplomática.

Eu: - Oi, como vai? Tudo bem? Aconteceu alguma coisa?

Ele: - Eu queria falar com você! Vamos dar uma voltinha?

Eu penso: - Na verdade não queria… Respondo: - Espera um minuto que eu já volto.

Ele: - Vamos descer o morro e dar um passeio no parque da cidade?

Eu: - Pode ser. Vamos sim.

Ele totalmente sem jeito e descendo o morro a passos largos: - Eu pensei muito em você depois daquele churrasco e queria perguntar… (passo largo descendo o morro)… se você… (passo largo e solta um pum sonoro involuntário)… queria... namorar… (passo largo morrendo de vergonha)… comigo.

Eu penso: - Coitado! Estava fazendo um esforço tão grande para se declarar e na hora h acontece isso (Declaração de amor com direito a "defeitos especiais" he he he)! 

Vou fazer uma piadinha para aliviar a situação:

Eu: - É isso aí, não paga aluguel tem que sair mesmo!!!! He he he!

Original em alemão: - So ist das! Wer keine Miete zahlt, muss raus!!!!


AGRADECIMENTO

Recebi elogios via emails particulares de jornalistas, autores e tradutores profissionais. Isto é prova suficiente para mim! Amei poder ouvir de pessoas que eu respeito e admiro, frases do tipo: 

- Albany, me diverti pacas lendo alguns de seus textos.  

Ou ainda: - Comecei o dia super bem humorado e rindo muito depois de ler seu post. 

Estas pessoas citam as fontes, divulgam meu blog, fazem comentários e críticas saudáveis. 

Enriquecem a alma, me ensinam a ser uma pessoa/profissional melhor e compartilham comigo o interesse pela arte de escrever/ler, de se comunicar interculturalmente, e por fim de colocar um sorriso no rosto de muitos com um jeito brincalhão de ser...

                                                                           


* Professora de Português para Estrangeiros na VHS de Stuttgart,  Licenciada em Letras Português e Alemão pela Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro e Mestre em Filologia Românica pela Eberhard Karls Universität de Tübingen, Alemanha.

21/06/2013

O jeitinho brasileiro/Die brasilianische "Lebenskunst"


Por Albany Estrela Herrmann*

O „jeitinho brasileiro“nada mais é do que nossa habilidade nata de transformar um problema ou uma situação difícil e de se encontrar com muita versatilidade, seja lá como, uma solução para tudo:

- Calma que a gente dá um jeitinho nisso!

Situações ou resultados inesperados, as famosas “saias-justas” são resolvidas por meio de jogo de cintura, humor, calma e sobretudo, com a nossa criatividade inesgotável. Para tudo encontramos uma saída…

Keine Deckenlampe? Kein Problem!


Concordo que nem sempre são as melhores saídas e muito menos que elas sejam sempre „politicamente corretas“, mas encaro o nosso „jeitinho“ como algo positivo. Parece ser um sinônimo de otimismo e de esperança eternos. Nós tentamos ver o lado bom das coisas e sem desespero, lutamos até o fim em meio ao nosso “caos organizado”.

Segundo o professor Lourenço Stelio Regia, autor do livro “Dando um jeito no jeitinho”, o nosso jeitinho pode ser entendido de maneira positiva ou negativa. Em se tratando do lado negativo ele afirma que o jeitinho pode ser encarado como:

. uma corrupção ou tentativa de suborno,

. uma tentativa de se levar vantagens e,

. tem ligação direta à maladragem.


Suas características positivas seriam:

. uma função solidária de se tentar ajudar uma pessoa,

. a criatividade e inventividade para a busca de soluções alternativas.


Vejamos alguns exemplos concretos:


Exemplo 1:

Guarda de trânsito pára um carro para aplicar uma multa.

Motorista: - Não dá para o senhor dar um jeitinho e me livrar dessa?


Exemplo 2:

Esposa falando com o marido: - Amor, a máquina de lavar parou de funcionar de novo!

Marido: - Espera aí que já vou dar um jeitinho nela. Deixa comigo!


Expressomaschine mal anders...
                                                             
Analisando o nosso jeitinho quanto à morfologia da palavra, em sendo uma palavra no diminutivo, ela revela já a partir desta escolha, toda uma carga afetiva. Meu estudo e trabalho “As dimensões pragmáticas das formas de diminutivo do Português do Brasil” me revelou os muitos prismas sobre estes usos especiais, em diferentes classes gramaticais e em diversas situações e níveis de fala.

Na minha opinião, os conteúdos aqui mencionados são bem parecidos. Tanto as formas de diminutivo quanto o nosso “jeitinho” são maneiras simpáticas para amenizar algum conflito e refletem de forma simpática toda uma gama de informações interculturais e comunicativas que não aprendemos em sala de aula. O diminutivo vai mais além e é, sem dúvida, a forma mais aplicada  e mais produtiva dentro do contexto linguístico do Português brasileiro.

Não adianta ensinar somente a gramática, sem repassar os muitos contextos culturais aonde ela atua:

- Fica sempre faltando uma pecinha neste quebra-cabeças! ;-)





* Professora de Português para Estrangeiros na VHS de Stuttgart,  Licenciada em Letras Português e Alemão pela Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro e Mestre em Filologia Românica pela Eberhard Karls Universität de Tübingen, Alemanha.