27/12/2020

Sobre o carma / Über das Karma

por Albany Estrela Herrmann 

Acho até que demorei tempo demais para entender que existem certas coisas na vida que estão além de nosso controle. É algo cármico, pré-estabelecido, e o destino já decidiu isto por você muito antes de você existir. Viver tentando lutar contra, é um sofrimento diário. É acumular carências de toda e qualquer ordem. É nadar contra uma maré invisível. É padecer…

Minha melhor terapia é escrever. Trabalho coisas mal resolvidas dentro de mim da maneira mais prazerosa que eu pude encontrar: escrevendo.  Bom, vamos falar sobre a família, pilar de qualquer pessoa que vive em ambientes normais, saudáveis e queridos. A família deveria ser o nosso porto seguro, a nossa porta de emergência, o farol que nos ilumina, mas infelizmente não é assim para todos e nunca foi para mim…

Quando o ambiente familiar é patológico, eu acredito que seja um carma que temos que ultrapassar em nossas vidas. Algo de muito errado eu devo ter feito em outras vidas, em outras esferas, outros planetas, enfim, são cruzes que carregamos ou até mesmo, as causamos. Vou falar de minhas dores, mágoas e certas coisas que nunca dividi com ninguém. Algumas destas feridas a gente coloca um curativo por cima, ninguém vê, ninguém sabe, ninguém se incomoda, mas elas ainda estão lá, por baixo das ataduras e ainda existentes.

1-O amor não correspondido:

Ninguém pede para nascer. Isto é fato! E ter que conviver com alguém que vive de mágoas e espalha dor, porque ela mesma não se aceita, é a pior coisa que eu já pude constatar.

Quando o seu genitor (pai ou mãe) sente a necessidade mórbida de estar sempre competindo com você, te criticando, te magoando e sendo agressivo aonde pode. Ele ou ela, ao invés de se alegrar com o sucesso ou uma conquista alcançada pelo filho, desfila comentários negativos a respeito e acaba com a felicidade de qualquer ser neste planeta.

Você precisa viver pisando em ovos, pois qualquer coisa que você faça ou fale, é motivo para despertar a ira e fazer com que o processo de tortura psicológica se dê início. Se você não faz nada, está errado. Se faz, também está. E ai de você se por um instante você esquece e desabafa contando seus problemas, seus sonhos, suas dores. Você espera um colinho, conselhos ou simplesmente alguém que te escute. Ledo engano! Tudo aquilo será usado contra você futuramente. Pode ter certeza disto! E pior, será destorcido e propagado aos 4 ventos! 

2-A memória afetiva: 

Por muitas vezes me peguei lembrando de coisas que vivi em minha infância e naquele momento não percebi do que se tratava:

-   - Sabe quando uma criança leva um tombo, machuca o joelho e corre para ser consolada pela mãe? 

A dura realidade:

- Sai daqui que eu estou conversando! Não me incomode!

Comparações e mais comparações. Você só vai, no máximo, é aparecer aqui de barriga e eu vou colocar os dois no olho da rua!

Aprendam uma coisa: - Laços sanguíneos não são necessariamente laços de amor. Fica a dica!

3-Ferir por estar ferida:

Você foi um “acidente de percurso”! Você veio de intrometida! Ninguém te queria! Por sua causa a minha barriga está cheia de estrias e deformada! Você acabou com meu corpo! Não bastava tudo isso, ainda nasceu antes da hora!

Eu sempre fui uma pessoa debochada e usava o humor para me auto-proteger:

- Quem mandou não prestar atenção no serviço? Tá vendo só, foi com muita sede ao pote! 

E eu nunca me deixei abater por estas afrontas verbais. O problema é que depois eu descobri que estas feridas estavam escondidas, mas existiam sim, em algum lugar dentro de mim…

Na formatura de uma irmã minha que convidou meu pai com a nova esposa, minha mãe ao ver eles entrarem, se aproximou da formanda e lhe esbofeteou no meio do salão gritando como ela tinha sido capaz de fazer aquilo! 

Anos depois, na minha formatura, subi sozinha no palco para buscar o meu diploma, afinal, eu não precisava falar nada para ninguém mesmo… Curti a minha vitória em paz e feliz ao lado de amigos. Sem chance para estragarem o meu dia.

4-Destruir sonhos alheios:

Na fase adolescente, resolvi fazer vestibular. Garota pobre da Baixada Fluminense e sem grana para nada, foi muito difícil acreditar em mim mesma e me atrever a dar este enorme passo em minha vida:

- Para quê? Você vai virar, e isso na melhor das hipóteses, é piloto de fogão e se encher de filhos. É jogar dinheiro fora, mas se você quiser fazer mesmo, se vire nos 30, pois eu não tenho dinheiro para bancar nada.

Fui trabalhar para poder comprar meus livros, tirar xérox, pagar as passagens, comer alguma coisa e enfim, apesar da universidade ter sido federal, existem gastos periféricos que também temos que arcar mesmo sem ter que pagar uma mensalidade todos os meses…

Fui, vi e venci! Nadei contra esta maré! Quase me afoguei no trajeto, mas conquistei o que eu queria. Missão dada, é missão cumprida. É com louvor que eu NÃO pedi para sair, aspira!

5-A criança interior:

Viver assim é viver em estado crônico de carência emocional-afetiva. É ser uma alma carente de tudo. É ser vulnerável e nos tornar presas fáceis à procura de amor, de reconhecimento, de um espaço para chamar de seu. Ou seu coração vira uma pedra como que enfeitiçado pela bruxa do oeste, ou você fica molenga e se desmancha à toa ao primeiro gesto de carinho que alguém ou algo lhe faz. Eu fui o segundo caso…

O amor que lhe foi negado enquanto pequeno, ainda está sendo procurado desesperadamente. A esperança é um troço chato que não deixa a fagulha apagar dentro do peito. Eu acho que seria melhor se a chama se apagasse de vez… 

6-Viver aguardando quando será a próxima “pancada”:

Sabe o cachorrinho que de tanto apanhar do dono, ao ver ele ir buscar o chinelo, já se esconde logo, pois acha que ele vai apanhar? Dito! A mesma coisa ocorre comigo! Sempre as outras pessoas estão corretas, eu sou mentirosa, louca, fingida, não presto, não tenho capacidade, enfim tudo de ruim sou eu ou veio de mim.

Eu já fui acusada de trabalhar como prostituta na Europa e isto sem prova alguma. Eu lá me matando de estudar e trabalhar, lavando pratos em um restaurante e do nada, recebo uma carta de 4 páginas me esculachando do início ao fim. Fui banida da família sem conversa, sem explicação, sem chances de me defender. Uma listagem enorme de agressividades e ofensas escritas que me roubaram o ar no momento em que as lia... O pior de tudo foi descobrir de onde esta informação partiu…

Também fui acusada de sair com idosos em troca de dinheiro. Uma coisa tão absurda que não pude conter as minhas gargalhadas:

- Se eu fosse a Tieta da Alemanha, eu estaria rica agora! Eu tenho condições de conseguir coisa muito melhor. Não faz meu feitio e nem é o meu nível. Tenho 3 empregos. Tenho pós e mestrado Europeus. Esta é você, não sou eu!

7-A inveja patológica:

Eu nunca fui de ficar me comparando com os outros:

- Fulano tem o carro tal, ganha tanto, tem tantas casas… 

Eu sempre tive as minhas metas particulares e sempre tratei de alcancá-las independente do que os outros pensem ou tenham.

Se eu fizesse alguma reforma na minha casa, era um exagero. Se comprasse algo para mim, era desperdício. E se eu ganhasse algo de presente, era: - Hã? Alguma coisa muito errada você fez para receber isto de “presente”!

Muita gente perde tempo e energia com a vida alheia ao invés de bolar um plano de crescimento pessoal para si, de querer ser melhor a cada dia. Mas se é para gastar com eles, aí a banda toca muito diferente! Ô se toca!

8-Desvalorização:

Você está gorda! Esta roupa é ridícula! Seu cabelo está uma palha, hein? É impressão minha ou você tem um seio maior do que o outro? Xiiii, dá para ver, hein?

Eu jamais compraria uma casa na Baixada e nem de graça eu queria ter! Tá doida, você! Eu quero é morar na Barra da Tijuca ou no Recreio! Nunca cuspa no prato aonde comeu e muito menos para cima, pois vai cair diretamente na sua testa! E caiu… 

9-A infelicidade da alma:

Hoje eu entendo que existem pessoas eternamente infelizes. Tudo alheio é melhor e elas cobiçam tudo que os outros têm. Copiam tudo para tentar preeencher um vazio interno plagiando vidas, ideias e conceitos. 

Te detona, mas te copia. Fala mal de você, mas te tem como modelo, copia tudo que vê e depois tem a cara de pau de dizer que não foi nada disso. Só que todo mundo sabe que é e fala disso em off pelas costas. Os tais amiguinhos não perdem uma oportunidade para detonar às escondidas…

Amigo comprado quando não recebe o dele em dia, detona a “empresa” aonde trabalha! Quem traz, também leva! Quem faz fofoca de outros para você, faz de você para outros”. Fato! Eu aprendi que não é necessário tentar se explicar, o falso cai sozinho e a lei do retorno se encarrega disso sem que eu tenha que fazer nada. É tanta sujeira por debaixo de tapetes que o ideal é sair de perto…

Aquele que se acha no direito de ficar julgando o mundo, tem que estar no mínimo no patamar celestial de perfeição que ele mesmo prega por aí, caso contrário ele mente e se engana projetando nos outros tudo aquilo que ele mesmo é. Ele vive de aparências e diz que os outros se negam a ver os fatos. Ué, o Narciso não tem “espelho em casa”? Este “macaco” nasceu sem rabo ou porquê não olha para o próprio?

10-Encontre seu próprio eu:

Machucar com palavras. Machucar sem palavras. Machucar sem motivos. Machucar escrevendo. Machucar olhando. Enfim… Machucar! Ninguém precisa viver assim desta maneira! Procure o amor em outras “terras férteis” e se não o encontrar, siga adiante, pois se uma porta se trancar na sua cara, Deus se encarregará de te oferecer uma janela aberta em um outro lugar! Nunca mendigue amor! Ou ele existe, ou não.

Dedico este post ao meu amigo Seldon que me ensinou a me valorizar mais. Deus te abençoe sempre! Você merece ser feliz! Você recriou o seu mundo a partir da dor, mas sem deixar seu coração escurecer! Tenho um orgulho sideral por tudo que você é hoje, meu amigo e um orgulho das galáxias por poder fazer parte da sua vida!

 

Professora de Alemão  (Deutsch als Fremdsprache DAF, com certificado do MEC Ministério Alemão - BAMF-Zulassung) e Português para Estrangeiros (PLE Universidade de Tübingen),  Licenciada em Letras Português e Alemão pela Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro, Mestre em Filologia Românica pela Eberhard Karls Universität de Tübingen