Fragmentos do diário
[8 de agosto a 10 de setembro de 1936]
Tradução: Albany Estrela Herrmann*
21 de agosto. Será possível que eu possa anotar tudo sobre o Rio sem me esquecer de muitas coisas? Pela manhã, a entrada da maravilhosa baía: - Magnífica! Primeiro surgem as ilhas verdes ou rochosas emergindo do mar; em seguida, ligeiramente embaçado pela névoa da manhã, o Corcovado com a cruz e o Pão de Açúcar, ambos fincados como monolitos, e encostadas neles as lindas baías curvas, a cidade que sempre reaparece e é entrecortada pelas colinas que se lançam para baixo como os dedos de uma mão sustentando-as. Algo mais belo que isto? Não se pode imaginar nada mais belo do que esse gracioso abrir-se de uma cidade como um leque; no mar as barcas apressadas. Já se mistura o aroma do mar com um suave perfume do continente.
A gente se sente suavemente envolvido, e essa
entrada é realmente uma recepção calorosa, à maneira dos povos mediterrâneos,
enquanto Nova York, de modo igualmente grandioso, com seus icebergs de
pedra e concreto, saúda triunfante, com um barulho aturdido a quem chega. Nova
York chama, o Rio espera – masculina uma, feminina a outra. Essas linhas
ondulantes lembram o corpo de uma mulher que sai das ondas, Vênus Anadiomene. É
inesquecível esta primeira vista, eternamente permanecerá na minha lembrança. A
imagem se modifica a cada ângulo, e de cada ângulo tem-se uma visão diferente de
sua beleza – o Rio não tem uma só vista como Nápoles, ele é bonito de todos os
lados. Olhando do alto das montanhas em direção ao mar ou vice-versa, e da
praia ou de qualquer ponto de vista! A isso acrescentam-se cores suaves e quase
cantantes. Esta cidade realmente tem magia. […]
Estou hospedado no Corcovado Palace com uma
infinidade de quartos com vista para a praia que é mais bonita do que qualquer
balneário da Europa. A praia é cheia de areia macia e toda iluminada pelo
brilho verde do mar. Eu teria prazer em ficar horas a fio neste terraço, mas
não tenho tempo. Já tenho que visitar a cidade, que é linda porque mistura com
felicidade aspectos de Madri e Lisboa, Nova York e Paris. Na avenida Rio Branco,
um grande boulevard de estilo ainda imaturo, mas de formato próprio e
extremamente movimentado. Aí se revela a mesma extraordinária miscigenação que
se confirmará a mim em todos esses dias como a coisa mais extraordinária do
nosso tempo: a absoluta ausência de preconceito entre as raças – uma observação
já de primeira vista. […]
A noite chega aqui rapidamente, sem transição. Dá-se
conta, de repente, de que a luz do dia se foi, mas de maneira suave e
imperceptível. Ela dá lugar a uma escuridão quase inimaginável, o mar torna-se
imóvel como um metal negro. De repente, num espetáculo grandioso, a cidade se
ilumina. As luzes ficam onduladas como uma serpente pelas baías, ao redor da
Urca, Flamengo, Botafogo, ao redor desta baía gigante, a baía de Guanabara, na
qual, segundo cálculos, poderiam se instalar confortavelmente todas as frotas
de guerra da Terra. Ao mesmo tempo começa a brilhar o centro da cidade, com os
arranha-céus em estilo americano, uma festa de luzes – e tudo isso envolto por
um ar claro e suave que traz o aroma das florestas próximas. Uma magnífica
natureza selvagem iluminada pela civilização; com grande emoção, (15)
saboreia-se essa inimagínável beleza, da qual não se deseja jamais separar. Com
certeza, nenhuma cidade do mundo pode oferecer uma vista semelhante à do Rio de
Janeiro. […]
Tradução
oficial: In Amok e Xadrez. Stefan Zweig. Apresentação, cronologia
e revisão geral de Ingrid Schwamborn; tradução de Odilon Gallotti (Xadrez)
e Marcos Branda Lacerda (Amok e Viagem ao Brasil e à Argentina).
Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1993.
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