10/04/2013

Stefan Zweig: Viagem ao Brasil

  Fragmentos do diário 

 [8 de agosto a 10 de setembro de 1936] 


Tradução: Albany Estrela Herrmann*

21 de agosto. Será possível que eu possa anotar tudo sobre o Rio sem me esquecer de muitas coisas? Pela manhã, a entrada da maravilhosa baía: - Magnífica! Primeiro surgem as ilhas verdes ou rochosas emergindo do mar; em seguida, ligeiramente embaçado pela névoa da manhã, o Corcovado com a cruz e o Pão de Açúcar, ambos fincados como monolitos, e encostadas neles as lindas baías curvas, a cidade que sempre reaparece e é entrecortada pelas colinas que se lançam para baixo como os dedos de uma mão sustentando-as. Algo mais belo que isto? Não se pode imaginar nada mais belo do que esse gracioso abrir-se de uma cidade como um leque; no mar as barcas apressadas. Já se mistura o aroma do mar com um suave perfume do continente. 

A gente se sente suavemente envolvido, e essa entrada é realmente uma recepção calorosa, à maneira dos povos mediterrâneos, enquanto Nova York, de modo igualmente grandioso, com seus icebergs de pedra e concreto, saúda triunfante, com um barulho aturdido a quem chega. Nova York chama, o Rio espera – masculina uma, feminina a outra. Essas linhas ondulantes lembram o corpo de uma mulher que sai das ondas, Vênus Anadiomene. É inesquecível esta primeira vista, eternamente permanecerá na minha lembrança. A imagem se modifica a cada ângulo, e de cada ângulo tem-se uma visão diferente de sua beleza – o Rio não tem uma só vista como Nápoles, ele é bonito de todos os lados. Olhando do alto das montanhas em direção ao mar ou vice-versa, e da praia ou de qualquer ponto de vista! A isso acrescentam-se cores suaves e quase cantantes. Esta cidade realmente tem magia. […]
 
Estou hospedado no Corcovado Palace com uma infinidade de quartos com vista para a praia que é  mais bonita do que qualquer balneário da Europa. A praia é cheia de areia macia e toda iluminada pelo brilho verde do mar. Eu teria prazer em ficar horas a fio neste terraço, mas não tenho tempo. Já tenho que visitar a cidade, que é linda porque mistura com felicidade aspectos de Madri e Lisboa, Nova York e Paris. Na avenida Rio Branco, um grande boulevard de estilo ainda imaturo, mas de formato próprio e extremamente movimentado. Aí se revela a mesma extraordinária miscigenação que se confirmará a mim em todos esses dias como a coisa mais extraordinária do nosso tempo: a absoluta ausência de preconceito entre as raças – uma observação já de primeira vista. […]
 
A noite chega aqui rapidamente, sem transição. Dá-se conta, de repente, de que a luz do dia se foi, mas de maneira suave e imperceptível. Ela dá lugar a uma escuridão quase inimaginável, o mar torna-se imóvel como um metal negro. De repente, num espetáculo grandioso, a cidade se ilumina. As luzes ficam onduladas como uma serpente pelas baías, ao redor da Urca, Flamengo, Botafogo, ao redor desta baía gigante, a baía de Guanabara, na qual, segundo cálculos, poderiam se instalar confortavelmente todas as frotas de guerra da Terra. Ao mesmo tempo começa a brilhar o centro da cidade, com os arranha-céus em estilo americano, uma festa de luzes – e tudo isso envolto por um ar claro e suave que traz o aroma das florestas próximas. Uma magnífica natureza selvagem iluminada pela civilização; com grande emoção, (15) saboreia-se essa inimagínável beleza, da qual não se deseja jamais separar. Com certeza, nenhuma cidade do mundo pode oferecer uma vista semelhante à do Rio de Janeiro. […]

Tradução oficial: In Amok e Xadrez. Stefan Zweig. Apresentação, cronologia e revisão geral de Ingrid Schwamborn; tradução de Odilon Gallotti (Xadrez) e Marcos Branda Lacerda (Amok e Viagem ao Brasil e à Argentina). Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1993.

* Professora de Português para Estrangeiros na VHS de Stuttgart,  Licenciada em Letras Português e Alemão pela Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro e Mestre em Filologia Românica pela Eberhard Karls Universität de Tübingen, Alemanha.

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