04/07/2013

Alemanizada? Eu? / Eingedeutscht? Ich?

Por Albany Estrela Herrmann*

Em um show de Carmen Miranda no Cassino da Urca no Rio de Janeiro em 1940, a cantora conhecida como “a pequena notável”, cantou uma rumba em inglês e isto desagradou o público brasileiro daquela época. Foi chamada de “americanizada” por voltar dos Estados Unidos cantando em inglês. Ela fez uma crítica a respeito do acontecido e como resposta, lançou a irônica música “Disseram Que Voltei Americanizada”.

                                                                               Fonte: Youtube

Texto (com uma pitada de Albany): Disseram Que Eu Voltei Alemanizada 
 
Disseram que eu voltei „alemanizada“
Com o burro do dinheiro e
Que estou muito rica!
Que não suporto mais o breque do pandeiro
E fico arrepiada ouvindo uma cuíca!
 

Disseram que com as mãos
Estou preocupada.
E corre por aí
Que eu sei que é zum zum zum...
Que já não tenho molho, rítmo, nem nada!
E dos balangandans já não existem mais nenhum...
 

Mas pra cima de mim, pra que tanto veneno?
Eu posso lá ficar “alemanizada”!
Eu que nasci com o samba e vivo no sereno
Topando a noite inteira a velha batucada.
Nas rodas de malandro - minhas preferidas!
Eu digo mesmo „Eu te amo“ e nunca „Ich liebe Dich“
 

Enquanto houver Brasil…
Na hora das comidas…
Eu sou do camarão ensopadinho com chuchu!



A mesma coisa acontece conosco aqui na Alemanha (na verdade com quase todo brasileiro que vive fora): muitas pessoas acham que somos ricos, que voltamos frescos e cheios de manias (exemplo na letra da música „preocupada com as mãos“), existem aqueles que falam mal e jogam um veneno básico (que perdeu o rítmo brasileiro, está sem “molho”) e também por pura e simples maldade… 
Outro dia eu estava dando uma olhada nos outros blogs e encontrei um texto de Larissa Davila do Brasanha sobre um tema que gostaria de escrever: - Será que estou mesmo alemanizada?

Eu anotei as coisas que acho que são os maiores sintomas de „alemanização“ que percebo. As minhas observações são um pouco diferentes das que ela fez e assim como a “pequena notável”, gostaria de deixar meu “statement” em forma de post sobre este assunto. Vamos lá!

10 sintomas de Alemanização:

1 – Demorar para conseguir chamar alguém de você (Du) e não estranhar mais ao ouvir alguém falar de você dizendo “A Senhora/Frau Estrela Herrmann”. 

2 – Passar vergonha por não saber mais o preço do pãozinho na padaria, nem o preço da passagem do ônibus e os outros te olharem igual a um ET quando você pergunta...

3 – Dirigir no Brasil e reclamar que a velocidade máxima é 90 km/h! A Europa deixa a gente meio pé de chumbo!

4 – Levar sua bolsinha ecológica (dobradinha milimetricamente) dentro da sua bolsa comum quando sair para fazer compras. Eu vou mais além e levo a minha cestinha!

5 – Não conseguir mais comer feijão com arroz todos os dias como antes…

6 – Só atravessar a rua quando o homenzinho verde do farol para pedestres aparecer…

 
7 – Ligar para uma amiga antes avisando que vai fazer uma visitinha “espontânea”…

8 – Levar uma garrafinha térmica com chá dentro da bolsa quando sair para a universidade.


9 – Produzir sons típicos para alemães no Brasil sem perceber que estas interjeições/onomatopéias não fazem sentido algum lá na terra brasilis: 
Tja(…), hoppala(!), oh je(!), mano(!), hui(!), ohah(!), so(…) e na(!) por exemplo.

Minha mãe brincando:
- Preciso chamar um médico?
- Dá para aguentar mais um pouquinho, minha filha?

Mal sabe ela que eu sofro de “alemanização”…


10 – Não sair de casa sem olhar antes a previsão do tempo. Ha! No Brasil não existe coisa mais incerta do que a previsão do tempo! Se o cara da TV falar que vai fazer sol, pode ter certeza que vai cair o maior temporal!

Finalizando: 

Advertência: Em caso de dúvidas ou persistência dos sintomas, consulte o seu médico ou farmacêutico.

Warnung: Zu Risiken und Nebenwirkungen lesen Sie die Packungsbeilage und fragen Sie Ihren Arzt oder Apotheker.

                           Albany :-)

        Bom fim de semana para todos! 


* Professora de Português para Estrangeiros na VHS de Stuttgart, Licenciada em Letras Português e Alemão pela Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro e Mestre em Filologia Românica pela Eberhard Karls Universität de Tübingen, Alemanha.

28/06/2013

Coisas que só acontecem comigo...


Por Albany Estrela Herrmann*

Existem coisas que só acontecem comigo! Já dei muitas risadas contando estes meus “causos” para amigos. Realmente é uma grande aventura passar um ano longe de casa, da família e dos amigos. É um mundo totalmente novo para o brasileiro que nunca saiu do país antes. Este foi o meu caso...

Resolvi dividir com vocês alguns momentos hilários acontecidos durante o período que fui estudante de intercâmbio. Vamos lá! Como sou a rainha das listinhas, tinha que fazer mais uma escolhendo os melhores momentos…


1 - Dentro do ônibus a caminho da universidade

Sentada dentro do ônibus lotado a caminho da cidade universitária. Vejo um rapaz com uma mochila enorme e outras coisas. Ofereci ajuda para carregar a bolsa dele no meu colo.

Ele me olha como se eu tivesse dito: - Passa a grana! Mãos ao alto. Isto é um assalto!

Repito a oferta: - Mochila? No colo? Ajudar você? E ele concorda, depois de se recompor do susto.

Por coincidência, ele desce no mesmo lugar e pede desculpas pela reação. Ele nunca viu isso aqui na Alemanha... Eu disse que isso é normal no Brasil: levantar e oferecer o lugar para pessoas mais velhas, mulheres com crianças e também segurar as bolsas de alguém que está de pé...

Ele agradeceu mais uma vez. Pediu desculpas mais uma vez e disse: - Vivendo e aprendendo!

Eu: - Pois é! Vale a pena ajudar os outros sem esperar nada em troca!



2 – Pedindo informação na rua para achar o endereço do alojamento

Lá estava euzinha, andando pela rua, perdida, arrastando a minha mala, tentando achar o caminho para o alojamento. O mapa que estava levando, não me ajudava muito. Resolvi perguntar para um passante qual era a plataforma correta e linha para que eu pudesse pegar o ônibus.

Eu: - Por favor, Senhor! Uma informação?!

Alemão estendendo a mão quase me acertando: - Não! Não quero comprar NADA!

Eu: - Mas quem disse que eu tô vendendo alguma coisa!? Cada uma!

O jeito foi perguntar ao motorista que estava na pausa… Ele aponta para uma plaquinha no ponto do ônibus sem dizer uma palavra e me ignora.

Eu: - Vou ter que ler todas as placas de todas as paradas até encontrar a minha…


3 – O zelador do prédio. Chaves do quarto? E agora, José?
No térreo do prédio ficava a sala de atendimento do zelador. Nenhuma alma viva e silêncio absoluto. Já estava com vergonha de quebrar tamanho silêncio para bater na porta, mas não havia outra maneira… Quando ia bater, reparei uma lista com horários e dias da semana colada do lado de fora da porta. Por coincidência, o próprio vinha chegando:

Ele: - Não está no horário de atendimento!

Eu: - Mas eu acabei de chegar do Brasil e não tenho as chaves do meu quarto! Já com os olhos cheios de água imaginando passar a noite do lado de fora e virando picolé...

Ele: - Bem, vou "quebrar o seu galho" hoje e meu deu as chaves do quarto.


4 – A lavanderia do prédio
Depois de descer munida de uma cesta cheia de roupas sujas de um lado e de meu dicionário na outra mão, encontrei a lavanderia. Lá dentro 3 máquinas funcionando e em cima de cada uma delas, um papel e uma caneta. Em cima de cada máquina um contador de moedas do tipo telefone antigo. O display das máquinas parecia mais um hieróglifo egípcio, até mesmo porque elas funcionavam tanto no sentido horário quanto no sentido inverso. 

Eu: - Nossa, quantos programas para lavar roupa! Qual que eu uso?

Penso: - Vamos abrir o meu “pai dos burros” vulgo dicionário e ver o que eu consigo decifrar...


Traduzi algumas palavras que não conhecia, mas não foi suficiente para entender como aquilo tudo funcionava. Vou esperar alguém entrar aqui para perguntar. Só não vale a pessoa apontar para as máquinas sem dizer uma palavra que eu dou um treco aqui! Espero, espero e espero. Entra um cara enorme, de cabelos vermelhos e usando um óculos fundo de garrafa.

Eu: - Você poderia me ajudar, por favor? Aonde eu posso comprar estas moedas para lavar roupa? E qual é o programa que você usa?

Ele: - Ah, você tem que ir no horário de atendimento do zelador (Sprechstunde). E estas máquinas são lavadoras e secadoras ao mesmo tempo…

Eu pensei: - O cara foi gente fina comigo. Vou lá ver se ele me atende. E atendeu! Just in case, eu comprei logo 3 moedas.Vai que preciso de mais de uma...

Voltei para a lavanderia, coloquei as roupas na máquina vazia, o sabão em pó, jogo a moeda e aperto o botão para iniciar a lavagem. Nada. 
Penso: - Acho que rodei para o lado errado, vou girar o botão só… mais… um… pouqui… Nããão! O display apagou todo. O que eu fiz?! 

O “cara pálida” ainda estava lá e disse: - Xi, você perdeu a moeda! Vai precisar de mais uma!  

Eu: - *&%$§?!

Respiro fundo e pergunto: - Você pode me ajudar? Não quero perder mais outra moeda!

Ele: - Me dá a moeda aqui!!! Zack, zack, zack. Pronto! 

Volte depois de 1h para buscar a sua roupa e liberar a máquina para o próximo. Se você não fizer isso, o próximo tem o direito de jogar as suas coisas em qualquer lugar.

Eu voltei para o quarto e ficava olhando quase que de minuto em minuto se já estava na hora de ir buscar a minha roupa. Que estresse!

A lavanderia
                                                     
5 – No supermercado
Barriga roncando, hora de procurar um supermercado ou lojinha que venda algo comestível. Pelo menos o básico: café, pão, leite e açúcar… Pertinho do alojamento, encontrei um supermercado. Entrei e fui pegando as coisas que precisava. Caminhei em direção ao caixa e entrei na fila. 

Aqui na Alemanha a pessoa que trabalha no caixa, passa tudo correndo, na velocidade da luz e num piscar de olhos fala o valor em voz alta. 

Eu fiquei correndo para enfiar as coisas dentro da bolsa, mas quando a gente fica nervosa, aí é que cai tudo no chão, pacote abre, carteira arrebenta o zíper, enfim, brasileiro pressionado, torce o pé até parado! Depois do “Deus nos acuda” e do corre-corre do caixa, recebo o troco e jogo tudo no fundo da bolsa para sair dali o quanto antes.

Eu era feliz e não sabia! No Brasil você bate até papo com a tia do caixa! Aqui a compra é feita em questão de segundos… E ai de você se o produto não tiver o preço ou se você quiser fazer alguma pergunta! A galera já começa a revirar os olhos ou a reclamar para abrir uma outra caixa!

Cheguei em casa louca para tomar um cafezinho brasileiro que tinha levado na mala. Café pronto, um pinguinho de leite e o açúcar. Coloquei uma colher do açúcar e para o meu espanto o café começou a virar um tipo de pudim e endureceu. O vizinho de quarto entrou na cozinha naquele momento…

Ele: - Deixa eu ver o que você comprou? Ah! E fala rindo: - Você comprou açúcar de fazer geléia! 

Eu: - E têm tipos diferentes?

Ele: - Tem açúcar com baunilha, açúcar comum, açúcar de geléia e etc…

Eu entorno o café na pia e volto no supermercado para comprar o açúcar certo desta vez.


6 – Fazendo um bico de faxineira nas férias
Para ganhar uma graninha durante as férias, fui fazer faxina aos sábados na casa de uma família alemã que tinha uma filha de 6 anos e uma gata chamada Nina. Normalmente a dona da casa saía para fazer compras e me deixava sozinha fazendo o serviço. 

Ela deixava um bilhetinho em cima da mesa com as instruções do que eu tinha que fazer. Naquele dia, ela queria que eu passasse o aspirador na casa inteira e jogasse o lixo fora.

Entrei, pendurei a minha bolsa no corredor e fui buscar o aspirador depois de ler as tarefas do dia. A Nina estava em cima de um armário da sala, cochilando numa boa… Liguei o aspirador e comecei a limpar a casa quando a gata pulou irada em cima de mim com os olhos arregalados e os dentes para fora.

Eu, depois de um grito de susto: - Mas que gata neurótica é eeeeessaaaaa?

Sai correndo e abri a porta da varanda.  A gata do lado de fora, miando e pedindo para entrar de novo.

Eu: - Vai ficar aí no frio até eu terminar de limpar a casa! Quem mandou dar uma de ninja pra cima de mim?


A Nina Ninja
                                                                       
7 – O Tandempartner

Querendo dar uma lapidada na pronúncia, resolvi buscar um Tandempartner. Encontrei um papel na universidade. Aluno de Medicina procura Tandem de Português do Brasil. Rasguei o papelzinho e levei para casa. Liguei para ele marcando a primeira aula. Eu ensino Português para você e você estuda Alemão comigo. Cada um tem uma hora de aula. 

O primeiro encontro foi na cafeteria (território neutro), o segundo encontro também. No terceiro encontro, ele sugeriu ir estudar na casa dele. Eu disse que achava a cafeteria legal.

Ele não desiste: - Eu queria saber se você quer ser minha “amiga de pele”…

Eu: - Desculpe a minha ignorância, mas o que é isso?

Ele: - Ah, é uma amiga especial! Assim, de tocar na pele, sabe?

Eu: - Hein? Você quer dizer “amizade colorida”?

Ele: - Acho que deve ser isso em Português…

Eu: - Não, obrigada. Eu quero mesmo é só fazer o Tandem e mais nada!

Ele: - Mas por que não? Eu não sou bonito? E eu sou médico!

Eu: - Bom para você, mas eu não estou interessada!

Ele: - Mas eu já tive duas „amigas de pele“ brasileiras!?

Eu: - Mas eu não sou a terceira! E acabei com o Tandem…


8 – Pedindo ao amigo para trazer um pão do supermercado
Estou eu olhando as modas, debruçada na janela do quarto quando um amigo passa a caminho do mercado. Ele pergunta se eu queria alguma coisa de lá. Eu peguei uma moeda de 5 Marcos e joguei pela janela para ele pegar. Afinal de contas eu morava no terceiro andar e não era tão alto assim. 

A moeda caiu exatamente dentro do bueiro da canalização, ultrapassando uma fenda de apenas alguns milímetros! Meu amigo ainda tentou levantar a tampa e salvar a minha merreca, mas não tive chances. Ele pagou do próprio bolso e eu agradeci por sua compaixão… 

Eu da janela: - *&%$§?! Só acontece comigo isso! A moeda de 5 Marcos é enorme!!!!

A moeda que acertei no bueiro
                                                             
9 – Voltando tarde da noite de uma festa estudantil
Voltei para casa com minha melhor amiga já lá pelas tantas da noite. Ela morava no terceiro andar e eu no oitavo (eu tinha mudado de alojamento por causa do aluguel mais barato e da localidade)… 

Apertamos o botão do elevador, a porta se abriu e vimos um rapaz dentro, caído no chão, todo sujo de vômito e urina.

As duas em coro: - Eca!

Minha amiga: - Vou subir a pé mesmo!

Eu: - Putz! Você mora no terceiro! E eu que moro no oitavo e dancei a noite toda? Vou ter que encarar a subida, pois se eu entrar no elevador com o sujeito e ele acorda, eu não vou poder correr dele!


10 – Declaração de amor bombástica
A campainha do meu quarto tocou. Pego o interfone e pergunto quem é. Sem resposta. Levanto e vou à porta principal. Encontro um rapaz que conheci num churrasco na casa de amigos brasileiros. Eu não estava querendo receber visitas, mas tratei-o de forma bem diplomática.

Eu: - Oi, como vai? Tudo bem? Aconteceu alguma coisa?

Ele: - Eu queria falar com você! Vamos dar uma voltinha?

Eu penso: - Na verdade não queria… Respondo: - Espera um minuto que eu já volto.

Ele: - Vamos descer o morro e dar um passeio no parque da cidade?

Eu: - Pode ser. Vamos sim.

Ele totalmente sem jeito e descendo o morro a passos largos: - Eu pensei muito em você depois daquele churrasco e queria perguntar… (passo largo descendo o morro)… se você… (passo largo e solta um pum sonoro involuntário)… queria... namorar… (passo largo morrendo de vergonha)… comigo.

Eu penso: - Coitado! Estava fazendo um esforço tão grande para se declarar e na hora h acontece isso (Declaração de amor com direito a "defeitos especiais" he he he)! 

Vou fazer uma piadinha para aliviar a situação:

Eu: - É isso aí, não paga aluguel tem que sair mesmo!!!! He he he!

Original em alemão: - So ist das! Wer keine Miete zahlt, muss raus!!!!


AGRADECIMENTO

Recebi elogios via emails particulares de jornalistas, autores e tradutores profissionais. Isto é prova suficiente para mim! Amei poder ouvir de pessoas que eu respeito e admiro, frases do tipo: 

- Albany, me diverti pacas lendo alguns de seus textos.  

Ou ainda: - Comecei o dia super bem humorado e rindo muito depois de ler seu post. 

Estas pessoas citam as fontes, divulgam meu blog, fazem comentários e críticas saudáveis. 

Enriquecem a alma, me ensinam a ser uma pessoa/profissional melhor e compartilham comigo o interesse pela arte de escrever/ler, de se comunicar interculturalmente, e por fim de colocar um sorriso no rosto de muitos com um jeito brincalhão de ser...

                                                                           


* Professora de Português para Estrangeiros na VHS de Stuttgart,  Licenciada em Letras Português e Alemão pela Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro e Mestre em Filologia Românica pela Eberhard Karls Universität de Tübingen, Alemanha.