04/05/2020

O Minimalismo / Der Minimalismus

por Albany Estrela Herrmann*


Organizar, destralhar, arrumar. Temáticas bem populares nos dia de hoje, mas o quê se esconde por detrás destas técnicas? Fato é que nem sempre aquilo que precisa ser organizado é visível, é externo, é óbvio. Muitas vezes esta desarrumação física somente reflete um interior problemático ou insatisfeito. Pode ser uma carência emocional que uma pessoa está tentando compensar através da visualização material daquilo que se encontra fora de ordem dentro de si mesmo.

Parece que no momento que a pessoa destralha e arruma, ela dá um redirecionamento para alguma coisa estagnada na sua vida e a sensação é que a própria vida passou a andar novamente. Ajeitando-se a matéria, ajeita-se o interior, a essência cósmica. É um processo de logística física e mental que coloca ordem na casa e dentro de seu ser. Vamos falar um pouco sobre algumas destas técnicas.

O Minimalismo:

O filme “100 Dinge” (100 Coisas em Português ) de 2018 conta a estória de dois empresários que fazem uma aposta de viver 100 dias com apenas 100 coisas. A cada dia podem adicionar mais um item à lista. No 1º dia estão sem roupa e sem nada e com o passar do tempo vão incorporando objetos à rotina diária.

A moral da estória é que podemos sim viver bem com menos.

A nossa sociedade tornou-se muito consumista e tenta nos seduzir através da tv, nos influenciando a comprar coisas repetidas e, que na verdade, nem precisamos. Coisas que nem usamos e gastamos muito dinheiro com todas estas coisas desnecessárias. O exagero aqui é intencional. Ninguém quer viver como um semi-mendigo só com uma mochila nas costas, um garfo uma faca, um prato e uma caneca junto com 3 roupas íntimas, um casaco e um par de sapatos. Todo ato de higiene pessoal é uma luta, assim como o de se encontrar um lugar abrigado para dormir.

O exagero sempre peca. Ou tudo, ou nada! O consumo moderado é que é a resposta e ele é diferente de pessoa para pessoa. Minhas prioridades podem não ser as suas, mas isso não quer dizer que não sejam prioridades. O que para mim pode ser necessário, pode não ser respectivamente para você. As perspectivas de necessidades distintas e sua hierarquia particular diferem e nos leva à conclusão de que não podemos generalizar necessidades. Cada um tem as suas...

Feng Shui:

Esta é a arte de se arrumar objetos dentro de cômodos com o intuito de deixar a energia fluir e de limpar ambientes astralmente falando. Segundo esta prática, alguns artigos de decoração atraem sorte, dinheiro, paz, harmonia, fartura e etc… Há controvérsias quanto a sua eficácia, mas se o assunto é bem-estar, então vale tudo. O que percebi na internet é que os títulos de muitas matérias é bastante sensasionalista, tipo:

-          Se você quiser prosperar, retire isto de sua casa!

-        Bloqueadores espirituais dentro de sua casa. Se você quer que a sua vida vá para frente, retire-os de sua casa.

-   Saiba como dar uma guinada na sua vida utilizando-se do Feng Shui.

Na verdade, esta é mais uma tentativa de se ajeitar o externo com a esperança de deixar que o interno se reorganize de alguma forma.

Estamos nos ocupando mais com o layout na  busca incansável de um upgrade espiritual. Sim, mas pelo menos eu estou sendo criativo, redisponibilizando e otimizando a mobília da casa, enfim, neste caso, tudo aquilo que não atrapalha já está ajudando e é sem dúvida bem-vindo!

Personal organizer:

Esta é a denominação chique do arrumador profissional. A pessoa geralmente começa a fazer isso em casa com uma certa frequência e acaba tomando gosto pela coisa até transformar esta prática em profissão. De uma certa forma, contribui ajudando uma pessoa que não tem tempo, que trabalha muito ou mesmo aquela pessoa que simplesmente é caótica e não sabe dar conta sozinha do planejamento e da ordem da casa.

A pessoa que contrata estes serviços já tentou com certeza previamente e sozinha colocar ordem no seu “galinheiro”, mas não obteve sucesso. Talvez o caos fosse muito maior do que ela mesma tenha pensado. Uma visão panorâmica não é possível quando estamos muito de perto, não é verdade? O problema é que o problema não é solucionado, pois muitas vezes e poucas semanas depois as pessoas voltam a viver baseados nos moldes antigos de desordem, como um messie que teve a sua casa limpa e arrumada. As pessoas acumuladoras não conseguem jogar nada fora. Nem o lixo que produzem. O problema não é colecionar coisas, mas sim o que você faz com elas.

Por mais genial que seja uma técnica, uma teoria ou uma ideia, ela nunca funcionará sozinha sem que você estabeleça uma mudança conjunta de mentalidade e de postura dentro de você. A sua vida, os seus hábitos, seus valores e sua filosofía de vida têm que caminhar juntos. Esta “faxina” é muito complexa. Ela vai muito além do que se retirar um objeto de lugar, doar ele, eliminá-lo e etc…
 Concluindo com uma frase de Freud:
- Todo excesso esconde uma carência. 

Os nossos modelos e costumes errôneos que acumulamos dentro de cada um de nós são gerados por motivos diversos. Qualquer tipo de adversidade que somos obrigados a enfrentar em nossas vidas pode deixar sequelas escondidas que nem percebemos. Elas surgem, se instalam e passam a se alastrar criando outras e mais outras sequelas e gerando um aglomerado de problemas acumulados. O que é visível é somente a pontinha de um iceberg que se esconde da superficie, mas que um dia encontraremos com certeza e que precisa um dia ser arrumado por nós.

Dedico este post a minha amiga Tânia, a Marie Kondo de DF ;)

*Professora de Alemão  (Deutsch als Fremdsprache DAF, com certificado do MEC Ministério Alemão - BAMF-Zulassung) e Português para Estrangeiros (PLE Universidade de Tübingen),  Licenciada em Letras Português e Alemão pela Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro, Mestre em Filologia Românica pela Eberhard Karls Universität de Tübingen 

01/05/2020

Sobre vendedores ambulantes / Über Straßenverkäufer

por Albany Estrela Herrmann*


Fato é que hoje em dia a coisa está feia para todos nós e conseguir o sustento da família não é tarefa fácil. Os índices de desemprego cada vez estão mais altos. Muitas pessoas passaram a trabalhar no mercado informal como vendedores ambulantes dentro do ônibus, do trem, enfim, em transportes e lugares públicos, em prol da própria sobrevivência.

Hoje eu venho aqui falar com você a respeito das estratégias de venda usadas por muitos vendedores e eu gostaria de comentar o que eu observei em campo. Você, com certeza, já presenciou algumas destas estratégias no seu dia-a-dia:

1 – O vendedor alto astral

Este é o tipo de vendedor que chega cantando, dançando, rimando e agitando a galera: 

Olha aê o picolé! - Olha o gás!

Vem que tem, vem que tem, freguesa! 

-  Eu falei 30 ovos por 10 Reais, é 30, 30, 30, 30!

2 – O vendedor que te bota medo

- Atenção passageiros, 1 minuto da sua atenção, por favor! Eu podia tá matando, roubando, “se” drogando, “estrupando”, mas eu tô aqui com toda a humildade vendendo estes produtos... 

-  Se a senhora me pergutar se é roubado, não sei de nada. Não fui eu. Só tô vendendo…

3 – O vendedor que manipula sua fé

- Bom dia, Abençoados! Estou aqui vendendo. Quer olhar, sem compromisso?

- Se você comprar, eu te agradeço muito, pois pouco com Deus é muito e muito sem Deus é nada! 

-    Vou orar por você hoje na igreja, irmão!

4 – O vendedor „envergonhado“ (e mentiroso)

-   Boa tarde,  senhora! A senhora poderia me ajudar, por favor? Desculpe estar interrompendo o silêncio da viagem. É que eu venho aqui encarecidamente vender estes doces. Cada um por apenas 1 Real! 

-     Eu nunca fiz isso na minha vida. É a 1ª vez que eu estou aqui, porque a minha família está passando necessidade. Eu tenho até vergonha de estar aqui, mas é que eu realmente estou passando necessidade. Que Deus abençoe quem puder me ajudar. Boas "radiações" para vocês!

5 – O vendedor estudante

-   Pessoal, eu preciso da ajuda de vocês para financiar os meus estudos. 

Chamou, minha tia? Aqui na minha mão, ó, só produto de qualidade. O patrão enlouqueceu, freguesa! Ué, mas ele não é estudante... Como assim?

6 – O vendedor que conta um monte de desgraça

Este cara entra e conta um monte de estórias tristes:

-   Eu peço sua atenção, senhores passageiros. Eu preciso criar meus filhos.
Eu já fui mendigo, comia lixo, bebia cachaça, dormia na rua, perdi meu emprego, minha sogra mora comigo, minha unha esquerda encravou, fui no psiquiatra e agora tomo remédio controlado. Não tenho dinheiro para comprar este remédio. E se eu não tomar, fico paranóico! E eu usava drogas, roubava para comer… 

Mas Deus é bom!!! Hoje eu tenho uma casa e preciso somente de dinheiro para comprar alimentos.

7 – O vendedor profiler

Este é o vendedor que faz a cronologia de toda sua vida e esquece de falar do produto que está vendendo:

-  Meu nome é x, eu tenho x anos, sou casado há x anos, pai de família, desempregado, moro na favela x, tenho diabetes, torço pro Flamengo, não gosto de comer cebola, minha mulher só me chifrou duas vezes com meu primo, eu estudei até o 4o ano, porque tinha que ajudar minha mãe trabalhando em casa de madame e blá, blá, blá, blá... 

  E quase todo mundo já desceu do ônibus e ele não vendeu nada… 

8 – O vendedor que roga praga

-     Para quem comprou comigo, desejo muita saúde e muitos anos de vida. E para quem não comprou, ainda dá tempo de se arrepender…

-   E Deus vai te dar tudo em dobro se você der para os necessitados como eu…

9 – O vendedor engraçado
-     
Caminhão virou, promoção chegou!

-  Hey! Hey! Caiu… Caiu o preço, caiu, patroa!

- Alô, alô, hoje eu tô na promoção! Hoje quem comprar um comigo, tem direito a comprar outro!

-   Aproveita, hein? Já tô indo embora, hein? Moça bonita não paga, mas também não leva!

-   Eu sou o "Tadeu" e este é meu amigo "tá dando". Quem não quiser comprar nada, colabore assim mesmo com uma moeda!

10 – O vendedor comparador

- Nos supermercados você encontra esses mesmos produtos 3 vezes mais caros. 

-  Compra aqui comigo essas ervas. É o Viagra do Sertão. Fura cueca e fura colchão! 

-     Para quê gastar na farmácia, amigo? Leva meu chá que eu garanto, a tua satisfação é garantida!

Agora falando sério, o trabalho direto com o público requer o uso de estratégias específicas. Este trabalho é sacrificante, pois ter de caminhar o dia inteiro, carregar peso, tentar chamar a atenção das pessoas de alguma forma, ter que perder a vergonha de falar em público e sempre buscar abordagens que atinjam estas pessoas de alguma maneira, é difícil. Seja por meio do humor, de música, de mímica ou de instrumentos musicais, a dinâmica empregada sempre tem um propósito: a venda.

E a moral da estória é: Todo trabalho dignifica o homem.

E se a primeira impressão é a que fica, a senhora leva 3 por 1 Real para me ajudar? :)

Professora de Alemão  (Deutsch als Fremdsprache DAF, com certificado do MEC Ministério Alemão - BAMF-Zulassung) e Português para Estrangeiros (PLE Universidade de Tübingen),  Licenciada em Letras Português e Alemão pela Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro, Mestre em Filologia Românica pela Eberhard Karls Universität de Tübingen